Eu me lembro das coisas mais ridículas. De como eu me sentia livre quando você me deixava pular nas suas costas. Beijos no ombro nu. Das risadas mais inapropriadas e dos olhos de menino. Faceiro. Você odiaria essa palavra. Diria que é depreciativa. Diria que meu palavreado te assassina. Mas é assim que eu te vejo. É assim que eu te via. É assim que eu sempre vou te ver.
Tive que jogar seus discos e as fotos fora. Espero que não me odeie por isso. Não suportava mais um dia olhando pros teus gostos, lembrando dessa tua voz meio trêmula, meio incerta. Mas não quebrei teu violão. Não tive coragem, parece a mim que tem vida, que a tua música vive nela. E matar a tua música eu não podia. Mas espero que não venha buscá-lo. Doeria demais.
Eu lembro de tudo, com clareza doída e insana. Lembro do dia bonito que eu sentei naquele banquinho na praça, escondida atrás da cópia destroçada de tão lida de Sagarana, meio querendo existir, meio querendo me fundir com a paisagem. Dicotomia da existência. Era o que você dizia. Que eu existia querendo ser ouvida e evitando ser vista. Não faz sentido, faz?
Mas você parou do meu lado, todo sorriso e cabelo comprido demais caindo no olho. Te achei engraçado. Te achei inusitado. E você me viu mesmo através da camuflagem. Você usava sandálias. Odeio homem de sandálias. Mas em você achei legal. Achei diferente. Com você, era tudo diferente. Até o fim.
Ah, o fim. Ela é linda, meu querido. Bonita como o dia. Queria dizer que espero que sejam felizes. Mas seria mentira. Queria ter apreciado tua sinceridade. Mas não importa a delicadeza quando as palavras são pequenas navalhas. Elas (as feridas) sangram, não importa quão lentos ou superficiais sejam os cortes.
E eu te digo que enfim as flores que plantamos no jardim começaram a florescer. E não, isto não é uma metáfora. É a vida.
A vida não é uma metáfora. Nem quando se fala sobre rosas.