domingo, 26 de abril de 2009

Sinestesia anestésica


E como menina ela correu pelas ruas, os pés batendo suavemente no cimento. Mas já não é mais uma menina. As ruas escuras e sujas, o cabelo cheira a cigarro, o esmalte vermelho descascado, o tênis surrado. O rímel que desce pelo rosto manchado de lágrimas que ela jurou que não ia derrubar. Não ia chorar, não podia chorar. Não mais. Não na frente dele. Mas as malditas insistiam em queimar. Então correu. Porque podia correr, e porque não podia mais suportar. O silêncio. A falta. O fim. Não podia suportar o fim.

Não é que não soubesse. Que não tivesse sentido. A falta de palavras. A falta de sentido. Os gestos vazios. A distância. A merda da distância que só aumentava. Mas não podia dizer. Não queria o fim. Mas o fim foi tudo o que restou. Foi então que ela correu.

Correu porque tinha que ir. Fugir. Porque não tinha motivo para voltar. Porque não tinha ninguém. E não se sentia ninguém.

Mas era. Só não sabia. Só não queria saber.

Sentou na calçada. Brincou com o gato. Perdido e sujo. Roeu as unhas. Acendeu um cigarro. Acendeu outro cigarro. Era um dia cinza. Ela odiava o calor nos dias tristes. Como se o universo tivesse de se aliar à sua melancolia. Sentiu-se melhor pelo dia ser cinza. Mexeu com o furo na meia. Pensou em ir embora. Não foi. Roeu mais as unhas. Sentiu frio. Acendeu mais um cigarro. Levantou-se.

O som de seus próprios passos a acalmava. Enquanto tivesse de andar, não precisava sentir. Mas sabia que um dia ia ter que parar de andar. Só não sabia como ia parar de sentir. Subiu as escadas. O pulso acelerado. Os olhos secos. As mãos no bolso. Colocou os cabelos atrás da orelha. A mão na maçaneta. Tirou. Colocou de novo. Abriu a porta. Ele já tinha saído. Ido embora. Na parede, um rabisco. Caneta preta. A letra dele. A música, não.

Meu amor, foi bom tentar, foi por um triz.

E tudo o que ela conseguiu pensar foi: Maldito, nem em uma hora como essa você consegue bolar palavras próprias pra dizer?

Realmente não há mais o que dizer. O que fazer. Faltam palavras. Faltam maneiras.

Mas ela já não precisa correr.

3 comentários:

Anônimo disse...

Dói esse 'esbarrão', esse quase, essa sensação de ter sido por um triz!


que intenso. As palavras chegaram aqui.

beijos

Anônimo disse...

olá.
seu texto me impressionou, sua capacidade descritiva é emocionante e singular.

sorte e luz, e volte sempre.

A Garota da casa ao lado. disse...

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Beijoos