quinta-feira, 21 de maio de 2009

As luzes (a garota no metrô, ou a despedida)


Os olhos perto de mim
Os braços que me soltam
Já não mais me aparam
Não me impedem de cair
de tropeçar
Os faróis ofuscantes
Cada vez mais perto
Mais perto
A luz que cega
Os olhos que se fecham

Hey, vamos tomar um café
Tocar violão
Trançar as pernas na cama
Cantar desafinado
Vamos ficar bêbados
Esquecer que é dia
Que é quarta-feira
E existir
Longe da luz ofuscante
Dos faróis que se aproximam
Tão perto
Tão perto
Que cegam

Hey, não solte a minha mão
Não me deixe mais cair
Tropeçar
Não me deixe mais fugir
Hey, não vá
Não vá
Não leve embora o seu moletom azul
O cheiro de incenso
Os cachos que dançam
Os olhos que dizem
Tanta coisa
Eu sei que você tem que ir
Sei que as portas vão se abrir
E eu vou olhar pras suas costas
e com pálpebras pesadas
num supiro
Ora sereno, ora puro desespero
Vou deixar você partir
Mas não me impeça de pedir
Que não vá

E se for, não olhe pra trás
Não, não olhe pra mim
Só vai
Me deixa esquecer
Não me deixa lembrar
Dos faróis que cegam
A luz dos olhos

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Pequenos contos dela

(Foto by www.flickr.com/photos/littledonna)

Sentada na cama.
Trançando pequenas mechas dos cabelos longos
Vermelhos escuros
A camiseta desbotada, a gola esgarçada
estampa do Bowie
O cheiro
O cheiro dele
a manhã meio pálida

Os joelhos juntos, os pés separados
A meia listrada
as mãos nervosamente cruzadas, descruzadas
Apoiadas no queixo, nas têmporas, nos lábios
ela descasca o esmalte das unhas, pintadas de azul,
um azul elétrico
pra disfarçar o nervoso
a falta de jeito
a vontade de rir
chorar
sair correndo
e ficar pra sempre

Ele chega sorrindo
calça larga xadrez
vermelha e verde
o riso meio sem graça, meio de lado

- Quer café?

Ela quer.
Quer pular no pescoço dele
morder
apertar
beijar
quer tanto, tanto
que, paralisada
só olha

- Uhum. Brigada.


A noite que já foi
que começou com um sorriso
aquele sorriso
meio sem graça, meio de lado

- Tem um isqueiro?

Ela deu um gole na cerveja
do gargalo
um sorriso rápido
emprestou o isqueiro
mordeu os lábios
queria conversar
ele parecia alguém com quem conversar

- Bonita a tua camiseta, ela disse.

A camiseta do Bowie
desbotada e esgarçada na gola
na jukebox no canto do boteco
Lovesong

- Gosta de The Cure?

- Pefiro Smiths

Ela responde
Toma coragem
e olha nos olhos
por segundos esquece de respirar
e vira o rosto
naquele riso tímido
de quem não sabe o que dizer

Ele senta-se ao lado
Eles conversam
Nada muito profundo
ou elaborado
sem grandes pretensões

- Quer dar uma volta comigo?

a cabeça não ouve
a razão não pára
Você vai se machucar
Só você vai se machucar
E tudo que ela pensa
Me dê uma razão para dizer não
Pra não sentir
Uma razão
que faça sentido

E ela vai
Sente
esquece
de tudo
dos motivos
das razões
dos prós
dos contras
só o cheiro
textura
sentidos
os olhos
a respiração
as mãos
ele mexeu em seus cabelos
até ela dormir

Agora está sentada na cama
a cama dele
e já é manhã, ainda que meio pálida
Ele deita
apoiado nos travesseiros
acende um cigarro
coloca o cabelo dela atrás da orelha

- Posso te ver hoje de novo?
- Hoje?
- Passa o dia comigo?
- Por que?
- Por que não?
- Eu não disse não.
- Disse sim?
- Não.
- Mas passa?
- O quê?
- O dia comigo?
- Passo.

E ela sorriu.