domingo, 15 de agosto de 2010

Cartas de (des)amor II

Conheci alguém novo hoje. Sorriso bonito, olhos sinceros. Não usava estúpidas sandálias. Ele podia me amar. Eu sei que podia. Mas eu não sei mais amar. Eu nunca soube. Eu só soube amar você.

Eu era a menina que acreditava que amar era um talento. Um talento adquirido. Amar era abstrair. E sempre me julguei racional demais para abstair. Então não amava. E não vou te dizer o quanto foi que eu amei você. Se o que vivemos não foi o bastante para mostrar o que foi tudo pra mim, então realmente não foi o bastante. Nunca é o bastante, não é?

O fato de ele poder me amar não é o bastante para que eu o ame. O fato de eu te amar não foi o bastante para que você ficasse. E eu me pergunto, seu amor vai ser o bastante pra ela? O amor dela vai ser o bastante para você?

Eu só sei amar bastante. Mas nunca o bastante. Nunca o bastante.

E é por isso que escrevo para fantasmas. Não escrevo pra você. Escrevo para quem eu era pra você. Por você. Eu finalmente aprendi a chorar. Não por você, mas pela tentativa.

Não sei se posso continuar a arriscar. Mas também não posso ficar parada, posso?

Odeio você por ter roubado de mim mais do que os dias, as horas. Mais do que o tempo.

O mundo, como eu conhecia.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Cartas de (des)amor I


Eu me lembro das coisas mais ridículas. De como eu me sentia livre quando você me deixava pular nas suas costas. Beijos no ombro nu. Das risadas mais inapropriadas e dos olhos de menino. Faceiro. Você odiaria essa palavra. Diria que é depreciativa. Diria que meu palavreado te assassina. Mas é assim que eu te vejo. É assim que eu te via. É assim que eu sempre vou te ver.

Tive que jogar seus discos e as fotos fora. Espero que não me odeie por isso. Não suportava mais um dia olhando pros teus gostos, lembrando dessa tua voz meio trêmula, meio incerta. Mas não quebrei teu violão. Não tive coragem, parece a mim que tem vida, que a tua música vive nela. E matar a tua música eu não podia. Mas espero que não venha buscá-lo. Doeria demais.

Eu lembro de tudo, com clareza doída e insana. Lembro do dia bonito que eu sentei naquele banquinho na praça, escondida atrás da cópia destroçada de tão lida de Sagarana, meio querendo existir, meio querendo me fundir com a paisagem. Dicotomia da existência. Era o que você dizia. Que eu existia querendo ser ouvida e evitando ser vista. Não faz sentido, faz?

Mas você parou do meu lado, todo sorriso e cabelo comprido demais caindo no olho. Te achei engraçado. Te achei inusitado. E você me viu mesmo através da camuflagem. Você usava sandálias. Odeio homem de sandálias. Mas em você achei legal. Achei diferente. Com você, era tudo diferente. Até o fim.

Ah, o fim. Ela é linda, meu querido. Bonita como o dia. Queria dizer que espero que sejam felizes. Mas seria mentira. Queria ter apreciado tua sinceridade. Mas não importa a delicadeza quando as palavras são pequenas navalhas. Elas (as feridas) sangram, não importa quão lentos ou superficiais sejam os cortes.

E eu te digo que enfim as flores que plantamos no jardim começaram a florescer. E não, isto não é uma metáfora. É a vida.

A vida não é uma metáfora. Nem quando se fala sobre rosas.

Desatinou


Deixa agora que eu  cante
Se soubesse cantar
minha lista de desejos
o lirismo do teu beijo
a vontade de ser nem eu
ontem ou amanhã
só hoje
nem um pouco
meio louco
meio de sopetão
só tua
e só, meu bem

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O retrato

Pinta-se na parede
Camufla-se em padrões
Sou eu, a parede do quarto
As flores na colcha
O quadro na sala
Pintada a guache
Retocada a óleo
Um quadro fora de esquadro
O retrato
Lentamente envelheço
Meu retrato permanece igual
A lembrança de tudo o que deixei de fazer
Simbolismo intransigente
Dos erros que deixei de cometer
Dos sonhos que deixei escapar

Sou Dorian Gray ao contrário

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Limbo


Sente, cresce, morde, sente
Dói, passa, dói, mata
Sei, sou, sinto, vou
Fico
Mais um dia
Mais um minuto
E o tempo não para de passar

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Bang Bang Shoot Shoot



Trago meus calos nos dedos
de palavras que não significam
que não compreendem
que não me redimem
mas que ainda, assim, me libertam

Uso a prosa lírica descuidada
ainda que poesia sem começo e fim
escrevo não o que o coração diz
e a alma anseia
minhas decisões são caprichos de momento
minha vida, um acidente recorrente
e se eu um dia eu te disse que sei o que faço
Esqueça, baby
eu só aprendi a mentir direito

sobre a compulsão de ser
de viver
de morrer
de renascer
e de continuar
irrelevante
inconsequente
inconstante
e intolerável



quarta-feira, 19 de maio de 2010

Um dia perfeito (a noite que nunca acaba)


Meus pés doem de usar esse salto
Eu sinto que digo tudo na hora errada
Eu queria mesmo era pegar na sua mão
E sair correndo até  o lugar
onde a noite não significa mais nada
Me trancar contigo num palácio,
Num barraco, no quarto ou na sala
E ter comigo, tudo o que basta
Você, discos velhos, e uma garrafa de vinho barata

Só você entende a falta de sentido
E o porquê eu só durmo
com as portas do armário fechadas
Seu rosto reflete a curiosidade
a incredulidade
e a ternura em relação às minhas tendências piradas

E quando eu meter os pés pelas mãos
Mais uma vez amor, entenda a cilada
É que eu não sei amar pouco
Não sei amar outro
E quero você até o dia
em que a minha pele estiver toda enrugada








domingo, 9 de maio de 2010

Nem eu, nem você


E eu que queria ser inteira
única e perfeita
Ao invés de pedaçoes espalhados
Fragmentos, estilhaços por todo o lado
Refletindo tudo em minha volta, menos a mim
Eu já não conheço mais o meu reflexo

E eu vou sair de casa
E eu vou andar pelas ruas
E vou sorrir na hora certa
E vou me distrair na hora errada
E vou ver além de tudo
Ao mesmoo tempo em que não enxergo nada
"Sim!" "Não!" "Oh, mas é claro que eu gostaria."

Eu queria mesmo era trombar com alguém
Alguém assim, imperfeito como eu
Alguém que visse o Eu
Não o reflexo projetado
Uma sessão de cinema de um filme mudo e danificado
Pelo tempo
Pelas horas
Pelo coração que se parte
A cada dia
Para no seguinte se remendar

Stop, play, forward, rewind. Stop, play, forward, rewind.

Eu já não conheço mais o meu reflexo

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Blackbird singing in the dead of night

Olá

Eu vim lhe contar do sabor do vento
Vim lhe falar do meu amor pela madrugada
Do meu desejo de flutuar no infinito
E do meu profundo ódio por jaulas

Na noite passada tive um sonho
Sonhei com um casebre no meio do nada
Meus pés descalços,
Sua sombra inundando a sala
Os fios dos seus cabelos na ponta dos meus dedos
Sua voz rouca me pedindo mais uma vez
"Diga que me ama, pois um dia o nosso tempo acaba"

E eu não sei dizer o por que
De você ter partido na hora errada
Deixo aqui registrado o desalento
E a saudade que sempre me aguarda
dos olhos que se fecham pra sempre
e guardam pra si
O novo, o velho
A nossa história que agora só pode ser contada
Não mais vivida

Não do mesmo jeito
Não da mesma forma
Acordo em uma cama vazia
Sua foto na cabeceira me assombra

E enquanto meus olhos não reecontrarem os seus olhos
E um sorriso novamente agraciar minha face cansada
Eu sigo num passo incerto,
um tanto quanto desajustada
Olhando fixamente pro céu
E desejando ter asas

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A saia rodada (e o tênis colorido)



Ela sorria do outro lado da sala
Exuberante e tímida
Um antônimo de um sinônimo
Com um significado perdido há tanto tempo
Que já é único novamente
Uma bailarina numa sala de robôs de papel

Usava uma saia engraçada
Rosa, azul, verde e com pequenas folhas vermelhas
Folhas vermelhas
Quem raios usa uma saia com folhas vermelhas?
E um tênis colorido

Ela balança a cabeça
Fora do ritmo da música que toca
Dentro do seu próprio mundo
Os olhos sorrindo
A boca sorrindo
O cabelo escuro balançando com os movimentos

Sera que ela é livre?
Será que ela é feliz?
Será que ela sorri pra mim?

Balanço a cabeça e olho pro outro lado
Menina da saia de folhas vermelhas
do sorriso nos olhos
do tênis colorido
Me ensina a ser mais eu?

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O mundo é um moinho

Ela que nunca foi particular
Excêntrica
Que nunca foi inesquecível
Que nunca enlouqueceu
Nunca assumiu que já se perdeu
Foi certa,
Foi óbvia
Processos de pensamento claros e definidos
E um sorriso assegurando, está tudo certo

Será que existe a palavra desimpressionante?
Olhem, ela é inteligente
Composta
Fala bem
Ela está sempre tão segura
Tão calma
E sempre sabe o que dizer

Complexo de perfeição
De aceitação
De negação
Ela não olha para os lados se não for aceitável
Percebe infinamente, e claramente
O tipo de pessoa que deveria ser
Nada de fraquezas
O que será de você se alguém ver quem realmente você é?

Use essa máscara, menina
Vamos, coloque-a agora
Olha para mim
Seja bem vinda à sua vida
Assegure a sua cela
E esteja grata, isso é tudo que você deve esperar
E não podia ser melhor do que isso, poderia?

Veja só, menina
A felicidade está no carro zero
Trabalhos não devem ser divertidos
Não espere tanto do mundo

Faça o máximo que puder
Seja produtiva!
Seja a perfeição na teoria
O que vão pensar de você se sua vida não for apropriada
Para ser descrita?

Não, eu não acredito, mocinha
Que você alcançaria alegria
Sem as compras que tanto lhe fazem sorrir no fim do dia
Esse teu diploma vai fazer da sua vida tranquila
Acredite em mim, menina

Sonhe mais baixo
Viva mais certo
Não importa a sua vocação
Só importa o que é certo
Só se sente sufocado quem tem tempo pra pensar no assunto

Não reclame
Seja grata
Você tem tudo o que podia desejar
Mesmo que não seja o que deseja

Ouça-me bem, menina
Um poeta já dizia
'O mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó'

terça-feira, 23 de março de 2010

A insustentável leveza de não ser (e não saber...)


Eu te digo que você não me conhece
Você pisca, toma um gole da cerveja e me diz "Querida, eu nunca quis saber de tudo."
E eu fico indignada
Acho pouco
Acho torto
Acho que almas gêmeas de verdade terminam as frases uns dos outros
Sabem de tudo
Todos os detalhes
Todos os desejos
Tudo o que eu mais gosto
E você, sem perder a calma, olha pra mim e replica
"O que eu sei sobre você já me basta, não quero explicações, reflexões e conclusões.
Não preciso saber que você vai dizer sim ou não, ou vai escolher esquerda ou direita pra saber se tá tudo certo.
Quando você chega perto, eu quero você mais perto,
Quando você fica longe eu quero ir te buscar no mesmo minuto.
Quando você me irrita, eu quero te afogar na pia
mas depois beijo a ponta do seu nariz,
e penso que é assim que tem que ser.
E só isso me basta."
E eu acho que sou boba
Te dou um sorriso meio de canto
E penso na vida do seu lado
E só isso me basta.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fúria

Debaixo de uma fina camada de verniz
Você se esconde
Em outras esquinas, outros lugares
Num boteco com mesas e cadeiras de plástico
Te convenço que é tudo de mentira
Te convenço que o verde é azul
E que não há nada melhor do que o amanhã
Você concorda
Balança cabeça para dar ênfase
Cita a lógica da semiótica da psicanálise antropológica
baseado num modelo de sociedade primitiva
Pra me dizer que, na verdade
Estamos todos ficando loucos

E eu te respondo, meu querido
Que a vida é melhor quando fazemos perguntas
Do que quando encontramos respostas

Mas isso é papo pra outro dia


domingo, 24 de janeiro de 2010

Autobiografia (Ah, se eu soubesse cantar...)



Um dia, talvez, não vou me importar de ser tão boba. De rir na hora errada. De não saber usar salto alto. De rir pelo nariz. De não saber dançar. De saber dizer e não saber o que quero dizer. De fingir que sei. De me sentir desconfortável na minha própria pele. 
Como se alguém fosse descobrir a minha farsa a qualquer momento. 
De sentir demais, de querer demais, de me perder na ânsia de não perder nada. De tentar tanto ser tudo e, no fim, sentir que nada está certo. E que é hora de começar de novo, mais uma vez.
De não saber qual é o meu caminho. De duvidar dessa história toda de destino. De me perguntar como é que as pessoas conseguem ir tão longe na vida assim, à cegas? Como elas parecem tão confiantes em tudo o que fazem? Elas não sabem que tudo pode dar errado?
Será que só eu sinto que sigo tropeçando no escuro?
Porque, às vezes, eu quero mesmo é me esconder. De medo. De dúvida. De olhar pra frente, e olhar pra trás, e perceber que tudo ainda é tão confuso quanto costumava ser. E que o único controle que você tem sobre a sua vida é criar uma ficção pra ela. E torcer e tentar fazer ela virar realidade.

Penso muito em tudo isso. Mas quanto mais eu penso, mais dúvidas eu tenho. E nenhuma solução.

Eu sou, eu sou, eu sou. Sou?